Hoje a Enter completa dois anos de vida. Escolhemos essa data especial para anunciar o maior investimento já feito em uma empresa brasileira de AI: levantamos R$ 200 milhões com o Founders Fund e a Sequoia para continuar transformando o sistema jurídico brasileiro de ponta a ponta.
Eu estava saindo de uma aula de Otimização e Modelagem em Stanford, em 2023, quando recebi o CNPJ da Enter da junta comercial. Corri para encaminhar os documentos ao banco para abrirmos uma conta da empresa e recebermos os cheques dos investidores anjo o quanto antes, porque eu já tinha gastado boa parte do meu dinheiro pessoal mantendo três engenheiros e o nosso primeiro piloto rodando.
Minha sensação é que os dois anos seguintes foram como dirigir um carro em alta velocidade, em que sucesso significou passar voando por uma curva com o coração na boca, apenas para se deparar com outra virada logo adiante. Sem parar um minuto para respirar, já era hora de acelerar de novo.
Os desafios que nós superamos foram tão gigantescos que apenas um exercício implacável e impaciente de força de vontade nos permitiu chegar até aqui. Desde que anunciamos nossa rodada Seed há cinco meses, a Enter só acelerou e:
Construir uma empresa me trouxe muita realização e sofrimento. Muitas vezes ao mesmo tempo. A Enter me permitiu, pela primeira vez, descobrir o que eu realmente amo fazer e me mostrou o que significa perseguir uma missão de vida. Esse foi o maior presente da minha jornada como fundador: sentir uma obsessão entusiasmada de ir trabalhar todos os dias. Mas também me custou algumas das coisas e pessoas que mais amava: desde largar Stanford e abrir mão de um sonho de anos de morar no Vale do Silício até ter dificuldade de dedicar tempo às pessoas que mais importavam para mim no mundo, e sofrer ao vê-las se afastando.
Os últimos dois anos se resumem a duas fases: sobrevivência e escala. Na Fase 1, precisávamos construir um produto que mudasse a vida das pessoas – e tínhamos que fazer isso rápido; na Fase 2, estamos agora construindo uma religião para reunir o melhor time do mundo em torno da nossa visão compartilhada de transformar a Enter na maior empresa de AI da América Latina.
Em maio de 2024, nove meses após nossa fundação, ainda não havíamos assinado com nenhuma grande empresa. Tínhamos pouco mais de um milhão de dólares no banco vindos da rodada pre-seed e alguns poucos escritórios de advocacia eram clientes pagantes. Lembro de ter voltado para casa numa segunda-feira às 4h da manhã depois de passar o fim de semana inteiro no escritório. Precisava dormir alguma coisa antes de uma reunião às 9h com o que se tornaria nosso primeiro cliente no produto de “contestações” – um grande banco. O produto ainda parecia instável e estávamos prestes a lançá-lo para 200 casos reais. Tinha que dar certo ou perderíamos nossa melhor chance de conquistar um primeiro grande cliente.
Minha ansiedade voltando do escritório para casa naquele dia me fez ranger os dentes com tanta força que achei que poderia tê-los quebrado.
Exatamente uma semana antes, eu tinha apresentado um PowerPoint ao diretor jurídico daquele banco explicando o conceito de como uma AI redigiria contestações em três etapas: entender a petição inicial, revisar um enorme conjunto de provas e gerar um arquivo Word pronto para revisão humana. O cliente se interessou e, mais importante ainda, reclamou de problemas muito específicos nas contestações feitas sem AI – um trabalho com o qual gastavam milhões de reais todos os anos.
O problema era real e muito dinheiro estava sendo desperdiçado – então eu sabia que estava no caminho certo.
Voltei ao escritório da Enter naquele dia, juntei todo o time (éramos sete) e disse que tínhamos que entregar o produto de Contestações em uma semana para aquele grande banco testar. Na Fase 1, tudo gira em torno de encontrar um produto de que as pessoas realmente precisem – e construí-lo ultra rápido.
“Rápido” porque uma startup é como um foguete tentando decolar: a força gravitacional te impedindo de alcançar órbita é tão absurda que apenas um exercício implacável e impaciente de força de vontade (sim, eu adoro essa expressão) consegue romper a inércia. A energia de uma startup não é gasolina – são pessoas, e a motivação delas se dispersa depois de 2–3 anos se a empresa não estiver crescendo. Você precisa chegar a órbita rápido para escapar da gravidade e manter suas tropas alinhadas para o próximo desafio. O prazo para acertar o produto é limitado.
Por isso, Mike, Vaz, Banduk e eu cancelamos tudo e trabalhamos sete dias seguidos, sem parar, para cumprir o prazo que havíamos combinado com o cliente. Uma semana depois, às 4h da manhã de uma segunda-feira, no dia do lançamento, publicamos o produto de Contestações no nosso site.
Além de fazer as coisas “rápido”, a outra prioridade no estágio inicial é construir um produto “realmente necessário”. É uma forma menos sofisticada de dizer product market fit (PMF). No nosso primeiro ano de existência, fiquei obcecado em saber se a vida dos nossos clientes havia mudado de fato por causa do nosso trabalho, especialmente porque o hype da AI levava clientes a testar qualquer ferramenta de agentes que parecesse promissora.
Criei então uma estrutura para medir se o produto da Enter (ou qualquer produto Enterprise) era “realmente necessário”. Se você não cumpre essas três condições, é melhor pivotar ou fechar a empresa, porque ela não vai atingir crescimento exponencial:
A Fase 1 foi toda sobre validar essa estrutura em três partes na prática – e conseguir isso antes que acabasse nosso dinheiro ou motivação. Ela terminou em novembro de 2024, quando assinamos nosso quinto contrato acima de US$ 500 mil dólares de ARR com uma empresa listada em bolsa (compromisso de orçamento significativo), vendendo contestações de processos feitas por AI (repetibilidade do produto) e depois vimos nossos números de NRR dispararem (consumo excedente).
Se a Fase 1 é sobreviver, a Fase 2 é escalar o produto descoberto na Fase 1. Na Enter sempre pensamos em crescimento como saltos de uma ordem de grandeza na receita, e percebi que teria que mudar completamente meu papel como CEO quando chegamos a US$10 milhões de dólares de ARR contratado.
Até então, eu havia liderado pessoalmente todos os pitches de vendas e estava profundamente envolvido nas principais decisões de produto e squads de implementação. Sentia que as coisas estavam sob controle e estava com a mão no batimento cardíaco da empresa.
Mas então sentei com meus sócios e desenhei um plano para chegarmos a US$100 milhões de dólares em ARR. Era outro jogo. Minha intuição sobre o produto ou capacidade de persuasão para fechar um cliente não seriam suficientes – precisávamos expandir para mercados adjacentes e assinar com cinco grandes empresas por trimestre. Isso só uma engrenagem muito bem azeitada de produto e crescimento poderia entregar. Percebi que a Enter estava entrando em uma nova fase.
Há dois arquétipos de fundadores – o modo encanador (Plumber Mode), de conhecer a empresa no detalhe e desentupir seus gargalos com as próprias mãos, e o modo pastor (Preacher Mode), de inspirar outros a pular nas trincheiras com você.
Na Fase Dois, meu Plumber Mode precisava ser complementado com um pouco de Preacher Mode: minha nova missão como fundador era construir uma religião capaz de atrair as melhores pessoas do mundo para nosso escritório na Rua Butantã, em São Paulo, para darem vida à visão da Enter. Passei a dedicar metade do meu tempo recrutando para as posições críticas e trabalhando lado a lado com o time, transmitindo o padrão Enter do que significa fazer algo excelente.
O Preacher Mode permitiu que a Enter formasse o time early stage mais talentoso já reunido na história do empreendedorismo brasileiro. Mais da metade mudou-se de fora de São Paulo para se juntar à nossa empresa 100% presencial – eu incluso. Repatriamos mais de 15 pessoas dos EUA e da Europa, vindas das melhores universidades do mundo, movidas pelo desafio de construir a principal empresa de AI da América Latina. Criamos um círculo de excelência em que pessoas que amam fazer um trabalho de alto nível se sentem em casa.
Fomos testados quando um engenheiro brilhante (bicampeão da maratona de programação), que havia acabado de aceitar nossa oferta, recebeu uma contraoferta com salário 2x maior e um bônus de retenção de mais de R$1 milhão de reais; ou quando nosso líder de implementação ganhou visto de três anos para trabalhar na Amazon nos EUA após se formar na Harvard Business School e tinha um caminho claro para viver em um país desenvolvido pelo resto da vida. Vencemos todas essas guerras por talento porque conseguimos articular que a Enter é mais do que um emprego – é uma oportunidade de encontrar propósito em um movimento.
Trazer as primeiras sessenta pessoas foi um momento Avengers Assemble: cada um recomendava as 2–3 melhores pessoas com quem já havia trabalhado, e nós corríamos atrás delas.
À medida que pessoas brilhantes começaram a se juntar ao time, passei a estudar como as religiões foram estruturadas ao longo da civilização humana, porque eu queria descobrir como manter todas essas pessoas excepcionais alinhadas e avançando na mesma direção. Minha missão era intimidadora.
As religiões, eu descobri, se resumem a três grandes pilares:
Obrigações comportamentais são códigos de conduta que todos os que fazem parte da religião devem seguir. Numa empresa, elas devem refletir uma descrição de como os fundadores se comportam, numa tentativa de escalar sua ética de trabalho por toda a organização. Por isso, a melhor forma de “disseminar” essas obrigações à empresa é simplesmente fazer um trabalho excelente — as pessoas observam você, como fundador, e seguem seu estilo. A segunda melhor forma é nomear explicitamente essas obrigações comportamentais que definem o que fazer e o que não fazer. No caso da Enter, eu reduzi nossa “religião” a três coisas:
Visão de mundo única é o que convence as pessoas de que elas devem seguir as obrigações comportamentais, que tipicamente causam desconforto. No cristianismo, as pessoas evitam pecar (obrigação comportamental) para ir para o céu e seguir os ensinamentos de Jesus (visão de mundo única); e o nosso time trabalha com um nível brutal de urgência na Enter (prescrição comportamental) porque acredita na nossa missão central de construir um líder global de IA a partir do Brasil (visão de mundo unificada). É a crença nesse futuro grandioso que permite ao time abraçar a nossa zona de desconforto. Toda empresa deve disseminar uma visão do que quer alcançar, e ela precisa ser ambiciosa para atrair pessoas que sonham grande.
Rituais são a principal razão pela qual a Enter escolheu uma cultura de trabalho totalmente presencial, cinco dias por semana, para todos os times. O propósito dos rituais é criar uma empresa com carisma e magnetismo — uma que faça as pessoas se sentirem em casa e, ao mesmo tempo, parte de um time olímpico competitivo.
Antes de começar a Enter, eu persegui um diploma acadêmico atrás do outro – e isso dependia só das minhas próprias habilidades intelectuais e de comunicação. E assim virei a pessoa mais jovem a fazer isso, a fazer aquilo.
Mas tudo isso é fichinha comparado à dificuldade de construir uma empresa, por conta da complexidade humana de alinhar um time de mentes excepcionais – e divergentes – na mesma direção.
A dificuldade da Fase Dois é que ela exige que você se destaque em duas coisas completamente diferentes — o modo encanador (Plumber Mode), para contribuir de forma tangível com as metas da empresa como contribuidor individual e estrategista, e o modo pastor (Preacher Mode), para criar a mensagem que vai unir todo o time nas trincheiras.
A habilidade de alternar entre esses modos, ligando e desligando à vontade – e de cancelar todo o ruído do seu entorno para tomar decisões – é o que separa os melhores empreendedores do resto.
Lembro do dia em que um grande cliente que queríamos assinar me ligou dizendo que adiaria a contratação da Enter por alguns meses e meu estômago virou, porque o trimestre fecharia em uma semana e aquele cliente era crítico para batermos a meta de receita. Ainda assim, eu estava no escritório de outro prospect prestes a apresentar a Enter para o CEO de uma grande empresa de telecom, e precisei desligar todos os pensamentos dispersos sobre a meta. A reunião com o CEO foi ótima e voltei ao escritório bem energizado: eu estava pronto para reverter a decisão do outro cliente de não assinar com a Enter nesse tri – quando ouvi que o pai de um sócio havia sido diagnosticado com câncer terminal e ele precisaria deixar a empresa por alguns dias. Chamei ele para conversar, olhei nos olhos dele e mostrei que ele era a única coisa que importava naquele momento. Assim que ele saiu, pensei no meu pai, com quem eu não falava há vários dias por causa da correria, e meus olhos se encheram de lágrimas – mas precisei guardar aquilo numa caixinha para ligar para aquele cliente e convencê-lo a assinar com a Enter antes do fim do trimestre. Spoiler: nós fechamos o contrato.
Os dois primeiros anos da Enter foram um esforço constante de criar caixas mentais para as coisas na minha cabeça. Isso se tornou a habilidade mais importante para alternar do Plumber Mode ao Preacher Mode, de confortar um colega da empresa a fechar nossa rodada Série A a fechar um contrato grande – tudo no mesmo dia.
Ao refletir sobre minha jornada como fundador dois anos depois de criar a Enter, escrevi esse texto para ajudar outros empreendedores que estão começando a tirar suas ideias do papel. Espero que você também encontre quem você verdadeiramente é no processo de construir uma empresa.
A Enter virou minha missão de vida porque, nos últimos dois anos, encontrei uma rotina em constante mudança, em que os desafios nunca acabam. Nosso resultado como empresa é a soma de milhares de vetores apontando em direções diferentes (time, clientes, regulação, mudanças tecnológicas, marketing, taxa de juros), e lidar com todos eles ao mesmo tempo é a coisa mais empolgante que eu já fiz. “Pressure is a privilege”, como diz uma placa no Arthur Ashe Stadium do US Open.
Olhando para frente, no mês que vem lançaremos o Enter OS — nosso sistema operacional para empresas que enfrentam o contencioso de massa. Ele vai muito além de redigir uma contestação e gerencia um processo de ponta a ponta. Nossa plataforma agora inclui agentes de AI capazes de detectar fraude em documentos, recomendar valores para acordo, interpretar publicações em tempo real vindas dos tribunais e avaliar as chances de reverter uma sentença em grau de recurso.
O Enter OS reafirmou nossa energia de empresa jovem, exatamente como quando lançamos o produto de Contestações em uma semana em 2024. Nos mexemos sempre com urgência, porque, lembrem-se, “the ship is sinking”, e ele sempre estará afundando, não importa quanto dinheiro a gente tenha no banco ou quantos clientes usem nosso produto.
Esse é o jogo infinito que nos mantém em movimento. A boa notícia é que, ao contrário dos diplomas acadêmicos, não existe “formatura” na construção de uma empresa que quer entrar para a história.